20 de julho de 2008

Popular como uma novela

Eu estava dentro do ônibus, indo para faculdade, quando entra uma senhora e senta-se à minha frente. Eu pensava tantas coisas que nem notei sua presença no início. Aspirantes a jornalistas, ainda hoje, têm dentro de si um desejo de mudar o mundo. Acredito que isso tenha movido Chateaubriand, Oswald de Andrade ou Carlos Lacerda. Mas talvez hoje não sejamos tão idealistas quanto os colegas do passado.

Estar na faculdade, para mim, é parte dessa necessidade de fazer algo diferente. Algo que vá além de nascer, crescer, trabalhar e morrer. Se eu disser “marcar a história” ou “mudar o mundo” me parece muito prepotente, utópico, mas é um pouco isso. Querer fazer bem para as pessoas e para sociedade.

Mas não era sobre isso que eu vinha pensando. Eu enumerava as várias coisas que tinha de fazer assim que chegasse à faculdade. Quando a senhora em minha frente atende ao celular e diz bem alto: “Saí mais cedo do trabalho para ver a novela. Não posso perder o último capítulo”. Ela disse isso em meio a um amontoado de frases que não notei, mas essa saltou aos meus ouvidos.

O foco dos meus pensamentos começou a girar em torno daquela frase e permeou o resto da minha viagem. Vejam, a mulher havia mudado sua rotina por conta de uma novela. Muitas pessoas assistem a novelas, tipo de programa que é fenômeno de audiência na televisão.

Passei a imaginar a rotina de trabalho daquela senhora. Talvez ela tivesse deixado algumas coisas para o dia seguinte, acumulou serviço, prejudicou alguém que dependia de seus préstimos. Talvez ela tenha adiantado o serviço, ou simplesmente saiu e ninguém daria conta de seu adiantamento.



De qualquer forma ela havia mudado sua rotina por um acontecimento que, portanto, devia ser importante. Então, eu encho minha boca de frases típicas de aspirantes a jornalista e digo que novela não é algo importante. Eu poderia julgar aquela senhora como fútil, ignorante ou manipulada pelas artimanhas da tv em busca de audiência. Mas não é isso que me importa agora.



Eu quero saber o que tem naquela novela – ou em outras – para mexer assim com os interesses das pessoas. Imagino que, no caso da mulher no ônibus, não foi algo que deva tê-la marcado para o resto da sua vida. Antes de acabar a próxima novela ela já não se lembrará dos conflitos do último capítulo que assistiu naquele dia.


Como aquela senhora, muitas pessoas dão mais atenção a novelas do que a outros assuntos do dia-a-dia. E calculo, em pensamento, quantas pessoas saem do trabalho mais cedo, por exemplo, para ajudar o filho com os trabalhos da escola.


Confesso que meu interesse não é científico. De posse dessa informação – se eu a tivesse – talvez eu não mudasse o mundo e nem manipulasse pessoas ou informações. Certamente eu a usaria para fazer mais uma coisa comum aos atuais aspirantes a jornalistas: Aparecer. Chamem de desvio de caráter, se quiser, mas eu sei que não sou a única que gosto de ser elogiada, reconhecida e considerada. Esse pode ser um primeiro passo para marcar os dias atuais. Se eu for notada, talvez alguém me dê ouvidos. É isso. Eu queria ser tão querida e tão ouvida quanto uma novela.
Diândria Daia, abril de 2008

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