9 de julho de 2008

Menina de olhos verdes



Inspirada no poema “Esperança” de Mário Quintana*


Lá bem do alto do segundo andar de sua casa, ela grita para sua amiga que suba para brincar. Aquela porta existe para existir, e não para abrir. Mas isso não impede a menina, que voa com sua boneca até a sacada, e encontra sua imaginária companheira de aventuras. Como num estalo, tudo fica estático. A casinha de bonecas é abandonada e a menina se levanta para chamar sua vizinha.

Não que se sentisse só. Nem mesmo porque precisasse de companhia ou de mais personagens. Talvez pela necessidade que têm as crianças de espalhar da sua ternura e alegria ao redor. Sim, elas não se contentam em ser alegres sozinhas... já notou como as crianças precisam se esparramar pela casa, invadir os quartos, chamar a atenção de todos a sua volta? Precisam gritar e correr pela rua, de preferência aos bandos, para a balbúrdia ser maior. Precisam se mancomunar com outros coleguinhas naquele fôlego infinito de rir e fazer rir, de brincar e de aprontar.

Estou ainda mais certa: não precisaria existir mais ninguém naquele cenário. Mas ela levantou-se numa decisão impetuosa e puxou para si, com aquele ar de cumplicidade, uma participante para sua brincadeira. A vizinha, tão pequena quanto a anfitriã da bela casa já citada, não diz muitas palavras. Tímida, mas com um largo sorriso no rosto, sabe o que fazer. Bonecas em riste, põe-se a vesti-las, a compor sua outra casa e assim, em poucos minutos, está continuada a brincadeira.

A boneca anterior não prestava mais, porque tinha-se rasgado – que empecilho insignificante. Surge logo outra boneca, mais bela que a anterior. Vestem-se de ricas roupas, andam de carro ou de cavalo, sobem e descem da casa. Brincam na cama, preparam uma nova cozinha – tudo pequenininho, mas bem arrumadinho. São brinquedos de papel, recortados – às vezes rasgados mesmo – de revistas, jornais, propagandas ou do que mais cair nas mãos daquelas traquinas, desde que tenham cores, imagens e princesas e casas, e roupas e brinquedos.

E brincam de ser gente grande. Contudo, nenhuma das duas se importa com as contas a pagar, com as brigas dos adultos, nem com as más notícias da TV. Ali, naquele canto do quintal, frente ao portão enferrujado entreaberto, sentadas num chão sujo, encostadas num sofá velho e rasgado, elas ignoram a realidade. Tão distantes estão da violência diária, do desemprego, da fome no Sertão, das doenças na África, da corrupção no Governo ou da ausência de seus pais. Criaram um universo paralelo, um mundinho tão frágil quanto o material de seus brinquedos improvisados.

Ali, no cantinho do quintal, as amigas vizinhas não se importam se no último natal não ganharam bonecas, ou se no próximo aniversário trocarão algumas roupas por novas, ou se no dia da criança alguém vai lembrar que é o seu dia. Talvez nem elas mesmas se lembrem, se ninguém falar, do alto da inocência das crianças. Não... ali nada disso faz diferença, porque é um espaço incomum. É aqui, mas fora daqui. Perto dos olhos, mas longe de nossas vistas. É um lugar imaginário, criado por aquelas meninas.

Pobres meninas. Minha esperança é que de tanto brincar, aprendam a criar esse mundo também fora delas mesmas. Construir um “aqui fora” melhor, ou pelo menos viver bem – incluindo tudo o que se diz viver – apesar das voltas dessa vida dura. Mas para quê lamentar a vida agora? Outra vez criança, um sorriso nasce em meu rosto ao olhar para essas meninas. E espero, simplesmente, espero.

Diândria Daia, Outubro, 2007

Um comentário:

Amante da paixão disse...

que legal seu blog, agora ve se visita o meu http://oamorevida.blogspot.com/ ta bom beijos