6 de julho de 2008

O arquiteto


Essas operadoras de celular só nos causam problemas. Não é à toa que são campeãs de reclamações e processos na justiça. Se sofro de amor hoje, a culpa é de uma delas. Foi há uns meses atrás. No caminho para casa, ao descer do ônibus, recebo uma mensagem da operadora: bônus para falar de graça. Nada de grandioso, apenas alguns minutos de ligação, mas fiquei animada, e já fui caminhando sorridente para casa, pensando que coisas pequenas podem alegrar o dia.


Entrei na rua do meu condomínio e vi uma faixa simples, sem adereços, sem nada, apenas dizendo "arquiteto, faço projetos" e o telefone de contato – evidentemente um celular. Lembrei que mamãe gostava dessas coisas de projetos de casa. Ela mesma fez o projeto da nossa, coisa amadora, claro, mas tinha plantas e até maquete de isopor, imagine!


Pensei comigo o quanto um projeto desses seria caríssimo. E decidi ligar só pra saber. Caro leitor, se não fosse o referido presente da operadora, juro, não tinha ligado. Mas eu ia ligar de graça e só pra fazer graça. Ia saber o valor, agradecer, desligar o telefone e continuar minha vidinha pacata. Liguei.


- Boa tarde, gostaria de saber o preço do projeto?
- Sim, mas como chegou ao meu número?
- Em uma faixa, na Vicente Pires.


A conversa se desenrolou rápido, mas logo deu para perceber que o arquiteto era muito educado e simpático.


- Projeto para residências custa sete reais.
- Sete reais? – Espantei-me em alto e bom tom. – Mas só sete reais para o projeto de uma casa? – E o rapaz confirmou que era isso mesmo, mas emendou, meio sem jeito:
- Bom, sete reais é o valor dos desenhos. O projeto completo mesmo custa 14 reais.
- Mas eu só queria o desenho, mesmo, e sete reais eu posso pagar. Como faz?
- Estou perto, ainda hoje posso ir até sua rua. Qual é o endereço?


Detalhes da visita acertados, cheguei em casa, borbulhando de alegria e contei para minha mãe que um arquiteto passaria lá para fazer um desenho pra nossa residência, por apenas sete reais.


É claro que minha mãe não acreditou: "sete reais não paga nem a gasolina", disse ela. Se eu tivesse ponderado, concordaria, mas eu acabara de falar ao telefone com o arquiteto e como ele já estava a caminho, e eu muito feliz com a idéia de ter um desenho técnico da minha casa, nem me importei com a possível confusão.


Certa vez ouvi uma frase que dizia que se algo tem chance de dar errado, certamente vai dar. Pouco tempo depois, um rapaz jovem, lindíssimo e muito educado chegou à minha casa. Sentou-se, oferecemos algo para beber e iniciou o assunto do desenho. Entre sorrisos e ótimas sugestões para os espaços internos da minha casa, o jovem arquiteto comentou que o desenho seria apenas sete reais por metro quadrado. Minha cara foi completamente ao chão. Acho que eu nem conseguia mais olhar para o arquiteto, tamanha vergonha.


Mamãe na sala, mais empolgada que eu com a idéia, parecia não se abater com a cena que se seguia, e ficou puxando papo com o arquiteto, ao invés de mandá-lo logo embora. O simples desenho daria em média uns setecentos reais ou mais. Eu certamente não tinha aquele dinheiro e se tivesse não estava disposta a gastar com aquele propósito.


Mas também, que tola! Qualquer simples mortal raciocinaria que o valor que o arquiteto cobra é por metro quadrado. Todo mundo sabia, desde o começo que não era apenas sete reais. Até meu eventual leitor. Até o infeliz bônus da operadora de celular foi mais do que isso. O rapaz finalmente foi embora e eu estava certa que nunca mais o veria e que logo me esqueceria de tamanha vergonha que passei, fazendo o rapaz perder seu tempo e sua gasolina.


Domingo, como todos os outros, fui à igreja, já superado o caso de dois dias atrás. Qual não foi minha surpresa ao ver ali o arquiteto, ao vivo, a cores e com toda simpatia e beleza que cercavam aquela figura! Era impossível não ir cumprimentá-lo. Descobri que ele freqüentava as reuniões já há algum tempo e pensei “como não o vi antes?”.


Na semana seguinte o tal arquiteto me telefona. Achou feliz a coincidência do domingo e me convidou para sair para tratar do projeto. O coração bateu forte. É claro que aceito! Eu disse logo. Como não sairia com aquele rapaz encantador, que o destino tratou de colocar no meu caminho uma segunda vez?


Tem mulher que é meio boba assim mesmo. Basta um olhar - às vezes sem nenhuma intenção - que já cai de amores. Pensei mil vezes, por que ele havia decido um encontro apenas comigo em uma lanchonete no shopping, ao invés de tratar com minha mamãe em casa ou noutro lugar menos sugestivo? Bobagem da minha cabeça, eu respondia. Até que me "caiu a ficha": como é que eu ia falar de um projeto que eu não ia fazer? A vergonha haveria de ser ainda maior que da primeira vez.


Pensei bastante e concluí que eu não tinha deixado claro que não levaria a tal idéia adiante. "E se o rapaz quer apenas o pão de cada dia? Fico eu aqui numa ilusão ridícula e ainda pago um belo mico." Estava decidido: eu não trataria de nada com o rapaz. Liguei novamente, desmarquei o encontro e expliquei que não faria o projeto, da forma mais cordial que encontrei.


Estava aliviada, e o caso resolvido. Bom, isso se eu não encontrasse o tal rapaz toda semana. Parece que depois do ocorrido, na igreja a única pessoa que esbarrava comigo era o tal arquiteto. Sempre lindo, e sempre educadíssimo. Sabe aquelas pessoas que são tão educadas que você fica pensando que tem que ter algo por trás de tanta simpatia? Ele era assim, ouvia o mais ridículo comentário com muita atenção e sorria sempre. Olhava nos olhos, cumprimentava a cada oportunidade. Apaixonei-me.


Era um amor platônico, porque em pouco tempo não tinha mais projetos e nem coincidências a serem tratadas. Não tinha assunto e nem eu sabia como me portar. A gente fica bobo quando cai nessas de amores. Passado algum tempo o rapaz desaparece. Com apuro jornalístico e discrição ímpar, descubro que foi morar no interior do Paraná e que não pretende voltar para Brasília.


E agora fico aqui morrendo de amor mais platônico ainda. Culpa daquela meleca de operadora. Se não tivesse me dado o bônus infeliz logo naquele dia, logo na frente daquela faixa!


Por Diândria Daia, outubro de 2007

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