14 de fevereiro de 2009

Esqueça

O silêncio esmaga o corpo imóvel
E se... E se? Não dá; é óbvio
Corpo jogado na cama
Sensação de dormência consome
Escondo o que sinto na lama
Afundo, inflama, derrama
Tristeza não some

Olhar fixo no teto branco, espanto
Entreaberta a boca sem gosto, desgosto
Escorrem quentes e salgadas lágrimas, magmas
Tudo quieto menos o pensamento, lamento
Respiração tão pesada que sufoca, importa?

Nada mais para na cabeça
Desenho, cogito, reflito, vou e volto
Não quero – revolto – me esqueça!
Sem contento agora me rendo
Riso por fora
Por dentro sofrendo

12 de fevereiro de 2009

Nas nuvens


Parece um casco de tartaruga com pernas de coelho, rabo de cachorro e cabeça de passarinho. Parece. Mas é uma nuvem esparramada de qualquer jeito nesse céu de azul estonteante. Ao lado dela tem várias outras nuvens esparramadas, com formatos doidos, que eu não sei dizer com que se parecem, porque não tenho muita imaginação.

Pensando bem, nem posso reclamar da minha imaginação, porque nos últimos tempos ela sonhou vários tipos diferentes de finais felizes com ele. Mas se fosse um filme, só o fato de ser final feliz já seria um indicativo de pouca criatividade, sinônimo de clichê. Cult é ter um final mirabolante, próximo da realidade e de preferência difícil de compreender, daqueles que você volta para casa pensando o que aquilo quis dizer.

Acho que geralmente não querem dizer nada, não. É que eu não sou cult. Sou clichê, romântica, previsível e sem imaginação.

Na última noite que nos falamos estava frio lá fora e cheio de nuvens escuras, bem diferentes dessas aqui. Depois que me despedi, fechei os olhos esperando o beijo que não veio. Esperei, esperei, até adormecer. Depois que eu dormi, ele apagou a luz, virou as costas e saiu. Não reparei se esqueceu a porta aberta, mas sei que não vai voltar; foi o fim. Pena que não foi um final feliz.

8 de fevereiro de 2009

Quimera

Eu voltava pra casa trazendo em mãos um livro de Rubem Braga que acabara de pegar emprestado. Entrei no ônibus e procurei um lugar na janela. Gosto de sentar na janela porque a viagem se torna menos demorada e tediosa quando olho o movimento de fora, e o pensamento vai voando junto com a paisagem que fica para trás. Nos últimos dias sempre voava pra junto dele, aquecia meu coração e às vezes me fazia rir sozinha, mas hoje não seria assim e eu não quis pensar em nada.

Então abri o livro e comecei a folhear ao acaso, procurando alguma história para me distrair. Li sobre homens e borboletas até me deparar com uma crônica chamada “Os amantes”. Meus olhos correram aquelas páginas sem grandes expectativas, pensei até ser alguma história que eu já conhecia, mas na verdade falava de dois amantes que se isolaram do resto do mundo por oito dias, dentro de um apartamento.

Muitas vezes, em seu texto, Braga diz que só conta a verdade, mas ainda acho difícil acreditar que duas pessoas pudessem passar oito dias sem ver a luz lá de fora, desligados de tempo e espaço, sem mais provisões, vivendo literalmente de amor. Terminei e imediatamente voltei ao início do texto para ler novamente aquela história, e recriar na minha mente cada imagem como em um filme. Aqueles dois corpos na penumbra, se movendo em sombras, fugindo do mundo real.

Lembrei que uns dias atrás eu planejava passar exatos oito dias ao lado dele. E pensei que, dependendo da companhia, oito dias são quase nada. Consegui, então, entender a necessidade daquele casal da história, de aproveitar cada minuto com a outra pessoa, de decorar seus passos, de esquecer todo o mundo que se põe contra aquela união, todos que querem invadir com coisas medíocres aqueles doces momentos. O silêncio e a penumbra eram as armas que usavam para enganar os inimigos lá de fora e fazê-los se esquecerem que havia alguém escondido ali.

Engraçado que o narrador fica indignado com seus inimigos, que não deixam o casal em paz por dois ou três dias, mas ele conta que estavam no oitavo dia, já fracos pela falta de luz e mantimentos. Parece que os oito dias, aos olhos dos amantes, foram duas curtas noites de sonho. Mas no meu caso o sonho é aqui. Ao lado dele seria a verdade, o real, mas aqui é apenas sonho e sonho impossível.

Insisto que a crônica me pareceu uma história irreal, talvez tão irreal quanto a minha, apesar da sinceridade que Braga diz cultivar. Aqueles oito dias, que pareciam dois ou três, não existiram, como não existiriam os meus oito dias. Talvez os amantes tenham ficado juntos apenas por um breve momento, antes que seus sonhos fossem perturbados pelas luzes ofuscantes do dia quente e pelos estranhos invadindo o apartamento e pelo carteiro e pelo telefone que exigia ser atendido. Ele queria que tivesse sido mais, eu queria que tivesse sido, pelo menos.

Meus pensamentos estavam imersos na escuridão daquele apartamento narrado na história, imaginando que nós éramos aquele casal louco, escondido do mundo, aproveitando cada segundo ao lado um do outro, em silêncio. E quando a história acabou de novo e eles estavam diante da luz do dia, invadidos pelo mundo real, eu levantei os olhos e tive dificuldade de reconhecer que a minha parada estava próxima. A luz ainda incomodava meus olhos, quando corri para a porta de saída do ônibus e desci rapidamente.

O mundo aqui fora também me invadiu de forma cruel. O sol de meio dia, o calor, o chão duro e árido. Tudo me parecia estranho, intolerável, mas tristemente real. Tão real quanto a falta que ele me faz, quanto os pensamentos que evito, mas que não saem de mim, quanto a distância até minha casa.