28 de dezembro de 2008

Maria Maria




O meu nome é Maria
se tenho outro de pia
pouco diz a meu respeito
que não passo de guria


Nada tenho com a Santa
coisa que eu até queria
Sou apenas mulher-moça
como é qualquer maria
olhos vivos serenados
coração com avaria
peito cheio de amores
mão que agarra alegria
jeito mesmo de outras moças
igual em tudo na vida
muitos sonhos e temores
muita história dolorida.

Como a vida pede passagem
pra quem vai e pra quem fica
não lamento mais que luto
aprendo e mudo a cada dia
Sou uma, mas sou muitas
sem deixar de ser Maria.

E convido a me acompanhar
Nessa estrada que me guia
Terra seca e batida
Em que ando noite e dia
E para que melhor conheçam
E me façam o gracejo
De acompanhar a vida minha
passo a ser Maria Maria
que em vossa presença caminha.


*Homenagem a João Cabral de Melo Neto, eterna inspiração.



Diândria Daia, Outubro de 2008

17 de dezembro de 2008

Carta de desamor

Chega. Cansei de ser o homem afoito que cerca a virgem mocinha. Tantas vezes você me disse que é egoísta, que pensa primeiro em você, no seu trabalho, que não serve para amar... Todas as vezes fingi não entender o recado, fingi não entender que eu não sirvo para ser o seu amor. Mas essa noite um lampejo de lucidez - ou de loucura extrema, não sei distinguir - clareou meus pensamentos. Não quero mais correr e não alcançar. Isso não tem fim.

Lembrei-me que, quando criança, morei numa vila chamada Telebrasília, próxima à L2 sul, numa casa simples de quintal enorme. Havia um descampado atrás da minha casa e muitas casinhas de madeira na rua abaixo à esquerda, e eu vi o arco-íris. Ele brilhava mais que em outros dias e estava tão grande e tão perto que eu tinha certeza que poderia tocá-lo.

Havia uma chuva fina que logo foi cessando e eu saí de casa correndo, disposta a tocar a ponta do arco-íris. Ele parecia estar bem ali, detrás das casinhas descendo à esquerda. E eu corri. Ele ficou ainda mais perto, mas eu tinha me enganado, ele estava mais abaixo um pouco das casinhas. Contornei a rua e quando ceguei lá, ele continuava lindo e brilhante, mas estava na parte mais embaixo ainda, e eu corri mais e mais e mais.

Quando achei que estava bem perto, o arco-íris ficou mais claro, mudou de posição, dava para o lado do descampado. Meu primeiro ímpeto foi continuar correndo, mas me dei conta de quão distante estava da minha casa. Tive medo, vi que aquilo não teria fim, eu jamais poderia tocá-lo.

E você é assim; a ponta do meu arco-íris. Então basta! Agora eu serei a egoísta, eu é que vou me preocupar primeiro comigo, meu emprego, meus estudos, minhas coisas. Vou guardar meu coração. Nem mesmo seu jogo de cores pode me enganar mais uma vez, aprendi a ler seus sinais.

Explodam com todos os tesouros, fadas ou lendas além do arco-íris, porque prefiro o calor verdadeiro que o sol me causa e prefiro o céu de imenso azul e prefiro o frescor das chuvas. Mas não se espante comigo, aproveite o seu domingo para se recuperar e a sua segunda-feira para recomeçar. Pode ser que muitas coisas boas te esperem; eu, não mais.




Diândria Daia, Dezembro de 2008

7 de dezembro de 2008

O cachorro do vizinho

Há três anos moro na mesma rua, mas tenho pouco contato com os vizinhos e nenhum amigo por aqui. A gente inventa desculpas, diz que é falta de tempo ou os desencontros de horário, mas a verdade é que nem sempre queremos dar intimidade àqueles que, por força da localização, já vigiam nossos passos diários e sabem da nossa vida antes mesmo de contarmos.

Muitos dos meus vizinhos têm cachorros, a maioria cães de guarda. Além dos altos muros, portões, grades e cercas elétricas, algumas casas chegam a ter mais de um cachorro. Então, se desço a rua um pouco mais perto dos portões ou se faço algum barulho ou movimento brusco, é um coral canino enlouquecido que me acompanha portão a portão até eu chegar em casa.

Ainda que alguns vizinhos ignorem a minha existência ou mesmo finjam não me ver subindo ou descendo a rua todos os dias, seus cachorros sempre me cumprimentam. No início era somente hostilidade e eu os temia mesmo presos às suas correntes. Mas com o tempo, acho que eles já me reconhecem e, mesmo no latido mais bravo, já sinto certa familiaridade.

Mesmo que seja a terceira ou quarta vez que me vêem no dia, eles me recebem com o mesmo alvoroço de horas atrás. Alguns, eu já cumprimento pelo nome, embora não faça idéia de como o seu dono se chama. Outros, eu mesma invento apelido, como o Rouco, um Rottweiler preto e muito bravo que tinha um rosnado grosso e um latido rouco. Mas ele se mudou da rua há alguns meses.

Tem um certo cachorro que me provoca broncas e risadas. O leitor me desculpe a ignorância, mas não sei bem como o dono escreve o nome de seu amigo. Vou chamá-lo do mesmo jeito que eu ouço pelo portão: É o Piti, um cão de alarme – muitas casas também têm cães desse tipo.

O Piti sempre me dá um enorme susto quando passo distraída em frente ao seu portão. O pior é que a Safira, uma do tipo Pastor Alemão, mora bem em frente ao tal cãozinho, então, automaticamente eu vou caminhando do lado oposto da calçada dela, para frente do portão do Piti. E sempre distraída. Não dá outra... o portão é discreto e o Piti é pequeno e astuto, só late quando eu estou bem pertinho dele, que é pra me surpreender melhor. Tem dia que saio xingando, tem dia que saio sorrindo de mim mesma, por cair na mesma armadilha de novo. Acho que ele se diverte com isso, só pode. E é um latido fino, alto e estridente, que me faz dar um pulo gigante de susto, toda vez.

Só que nos últimos dias o Piti anda sumido. Há tempos não late, não me assusta. Primeiro estranhei o silêncio do portão, depois achei bom, mas agora... Será que ele se mudou, adoeceu ou só resolveu me deixar em paz? Puxa, não é que ando sentindo falta do cachorro do vizinho?


Diândria Daia, Dezembro de 2008

2 de dezembro de 2008

Aquarelas

Ele não quer ir para o céu. Não sei se não quer ir pro mesmo céu que eu vou ou se não acredita em céu nenhum. Ou se é um homem mal e quer ir a qualquer lugar. Eu quero ir para o céu. E hoje que o céu está especialmente bonito. Despiu-se do azul tradicional e enrubesceu pelos raios do sol poente. Nem as nuvens carrancudas de chuva puderam escapar da linda aquarela pintada pelos raios de sol. O céu está claro, mesmo com nuvens escuras tem traços brancos e cinzas pincelados de rosa e amarelo... e brilha... juro, dá vontade de ir pro céu, de morar lá pra sempre!
Disseram-me que lá não há medos nem sentimentos ruins. Eu tenho tantos medos e tantos sentimentos ruins, uma gama de cores fortes se embassam em meu peito. Ele disse que não quer ir para o céu, mas ele também tem medos. Não como os meus, de menina insegura, indefesa, vulnerável... É um homem, não um menino. Mas tem medo de descobrir, depois de tudo o que viveu, tudo o que lutou, tudo o que abriu mão, que fez escolhas erradas. Viveu bem, não se arrepende, o medo não é bem das escolhas erradas, mas de não ter tempo de refazer o que realmente importa. Se ele pudesse faria tudo de novo e mudaria muitas coisas. É um homem feito, forte, decidido, mas passional. É um bom homem. Eu queria tê-lo no céu junto comigo.

1 de dezembro de 2008

Brasília em chuvas

Por incrível que pareça, a quantidade de chuva nesses últimos meses não está acima do normal. E ao contrário do que se tem ouvido nas rodinhas de conversas, as chuvas também não chegaram atrasadas, não estão exageradas e... Não! Não há nenhum tipo de anomalia climática. Mas se tem um ponto em que todos têm razão, é que a cidade está um caos.

Ruas alagadas, não só nas satélites, mas no centro de Brasília, nas L2 sul e norte e nas vias de acesso ao Plano Piloto. Se normalmente a viagem de ônibus já é difícil, lotado, com as pessoas molhadas e as janelas fechadas por conta da chuva fica ainda mais insuportável. Trânsito lento, acidentes, atrasos, problemas sobre problemas.

É claro que a chuva colabora, mas antes de existir cidade já existia chuva e todos sabem que é preciso se preparar para essa época. O mesmo deveria ser feito pelas autoridades competentes. Há problemas em vários pontos das cidades, como bueiros entupidos, vias de acesso em obras e asfaltos em péssimo estado de conservação. Sem contar prédios mal conservados com goteiras e infiltrações. Ruim para o motorista e pior ainda para o pedestre.

O discurso que as tempestades vieram para compensar a falta de chuva dos meses anteriores, que o clima de Brasília está ficando doido – é o efeito estufa, o buraco na camada de ozônio, o aquecimento global – enfim, todas essas argumentações alarmistas apenas desviam o foco do problema, colocando a culpa no fim dos tempos que se aproxima, ao invés de enxergar as questões reais e cobrar soluções.

A maioria das pessoas coloca a culpa nas chuvas. “É água que não acaba mais!”, escuto sempre. Mas acaba sim. Cada mês tem uma média esperada de quantidade de chuvas. Ainda que tenham acontecido algumas variações para mais ou para menos do que o esperado, foi algo tão pequeno, se comparado ao todo, que não justifica a inquietação. O que de fato aconteceu foram algumas chuvas mais fortes em um momento, o que não indica nenhum tipo de problema no clima. A época de seca vai chegar e as pessoas vão passar a reclamar da baixa umidade.

Então hoje vou sair de casa resignada. Não vou me preocupar se vai ou não chover. Levo uma blusa, um guarda-chuva, e calço um sapato fechado. Contra o clima, dá pra me prevenir, mas e contra a falta de infra-estrutura da minha cidade, o que eu devo levar na bolsa?
Diândria Daia, Março de 2008